NEGRO FORRO e a carta de Aforria de Gestrude.
Fonte
de pesquisa pessoal realizada por João Ataíde em DOCUMENTOS DA ESCRAVIDÃO, CATÁLOGO
SELETIVO DE CARTAS DE LIBERDADE,Acervo
dos Tabelionatos de municípios do interior do Rio Grande do Sul
VOLUME 1Porto
Alegre, Novembro
de 2006. apresentando inicialmente um texto de Oliveira Silveira,Porto Alegre, 31de Outubro de 2006
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Arquivo Publico Nacional |
NEGRO
FORRO
minha
carta de alforria
não
me deu fazendas,
nem
dinheiro no banco,
nem
bigodes retorcidos.
minha
carta de alforria
costurou
meus passos
aos
corredores da noite
de
minha pele.
Adão
Ventura
(MG)
–
A
cor da pele
Lendo
sobre o abolicionismo na Província, hoje Estado do Rio Grande do
Sul, durante o século 19, e acompanhando as atividades dos clubes
abolicionistas, recebe-se a informação de que foram conseguindo a
libertação de escravizados até chegarem ao evento considerado como
terceira abolição ocorrida no país antes de 1888: a de 1884 em
Porto Alegre, em Pelotas, na Província. Mas também aparecem
referências a certas “cláusulas de prestação de serviços”
que estabeleciam o compromisso de a pessoa “libertada”
servir por mais alguns anos aos antigos “donos”, “donas”,
“senhores”, “senhoras”, “proprietários” e
“proprietárias”, isto é, escravistas ou escravagistas. Pode-se
também encontrar referências à vinculação dessa prática à Lei
do Ventre Livre, de 1871, enquadrada na corrente que propunha uma
abolição gradual,
feita
meio a conta-gotas ou “suaves” e numerosas prestações.
A
propósito, certo livro sobre as ações ou idéias da maçonaria no
trato do escravagismo e do abolicionismo falava também em abolição
do tipo “lenta, gradual e relativa” ou progressiva ou... Por
outro lado, e em favor da maçonaria, pertenceu a ela, por paradoxal
que pareça, o poeta, advogado e abolicionista negro Luiz Gama,
baiano deslocado para São Paulo. Esse ativista combativo era pessoa
muito prestigiada
e
prestigiosa na Ordem e a imagem dele em nossa história não é a de
quem fosse paciencioso com o escravismo e sim a de quem tinha pressa
em despachá-lo.
Fonte
interessante seria o Relatório do presidente da Província J.J. de
Albuquerque Barros, de 1885, logo após a citada abolição
sul-riograndense. O governante teria por lema “suprimir o escravo
conservando o operário no Rio Grande do Sul”. Interpretando, o
sentido seria “tirar do cativo a condição legal de escravizado,
conservando a condição real, essa mesma, de escravizado”. Isso
atenderia à necessidade de garantir a mão-de-obra costumeira,
preferencialmente barata, suspeita-se.
Mas
essa é uma época, um período no século 19. E assim fica
surpreendente constatar através de uma obra como esta, transcrevendo
documentos tão preciosos como são as cartas de alforria ou de
liberdade, que bem antes, entre 1831 e 1846, essas cláusulas de
prestação de serviços já eram prática corrente embora as
alforrias também pudessem ocorrer sem elas e até com declarações
de reconhecimento pela dedicação, zelo, amor, etc., etc.. da pessoa
alforriada, que como se sabe podia ter de efetuar pagamento comprando
a dita libertação. Curioso topar com o caso dos pardos, os mulatos
Inácia e Manoel, em cartas concedidas pelo general Bento Manoel
Ribeiro, que deve ser o mesmo oficial controvertido e oscilante da
guerra civil farrapa, ora de um ora de outro lado no embate de
farroupilhas e imperiais, 1935 a 1945. Cartas com prestação de
serviços ao general e sua mulher Maria Mância: “libertos”
obrigados a
servir
por mais 7 anos “a eles, outorgantes, ou a seus herdeiros, em caso
de falecerem os outorgantes”.
Escravizados
e escravistas até depois da morte...Tempos terríveis a obra revela.
Com ela a direção de Rosani Feron e a equipe do Arquivo Público do
Estado, buscando facilitar o trabalho dos pesquisadores e dar maior
acessibilidade aos documentos para qualquer leitor ou leitora,
colocam diante de olhos, coração e mente uma realidade atroz: a
ignomínia vivida pela população escravizada e o submundo perverso,
doentio, patológico, criminoso que habitava e envolvia o espírito
de homens e mulheres escravistas, ocupados na exploração do
semelhante, considerado não como tal mas como coisa, ser inferior e
irracional. Tempo passado que tanto exigiu quanto mereceu versos
deste tipo:
Passado
infame,
vou
te charquear o lombo a laço.
14
Passado
infame,
vou
te sujar a cara a cuspe.
Passado
infame,
vou
te moer o corpo a ferro.
Mas
te quero bem vivo
pra
renovar meu ódio justo
e
manter alto o meu orgulho.
(Oliveira
Silveira– Passado
infame,in
Roteiro
dos Tantãs.)
TERMO
DE ABERTURA
Há
de servir este livro como parte integrante da coleção Documentos da
Escravidão. Esta publicação apresenta as ‘Cartas de Liberdade do
Interior do Estado’, e tem como objetivo principal propor um
instrumento que facilite futuras pesquisas sobre a temática. O
projeto foi elaborado pelo Arquivo Público do Estado do Rio Grande
do Sul (APERS) e contou com apoio financeiro da Fundação Espanhola
do Programa de Apoyo al Desarrollo de Archivos Iberoamericanos
(ADAI).Porto Alegre, 23 de Novembro de 2006.
Equipe
de Pesquisa Histórica
Abaixo encontrei nos manuscritos a carta de alforria de Gestrude que tinha a seguinte descrição totalmente pejorativa:
Espécie / tipologia: Livros Notariais de Registros Diversos, certamente não é a Gestrude que fincou os pés no bairro da Favela em Macapá, mas nos serve para ver que ate nos nomes nossos ancestrais nos deixaram pistas para a nossa construção genealógica.
Espécie / tipologia: Livros Notariais de Registros Diversos, certamente não é a Gestrude que fincou os pés no bairro da Favela em Macapá, mas nos serve para ver que ate nos nomes nossos ancestrais nos deixaram pistas para a nossa construção genealógica.
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foto Arquivo Nacional |
Gertrudes
; Crioula; Sr. Luiz Pereira de Souza (falecido); dt. conc. 23-11-38;
dt. reg. 08-04-45 (Livro 1, p. 119v). Desc.: A carta foi concedida
mediante pagamento, pela escrava, de 250$ a um dos herdeiros, Luiz
Pereira de Souza, e “pelos bons serviços que prestou a casa
durante a vida de meu pai e mesmo depois de seu falecimento tenho
prometido conceder-lhe a sua carta de liberdade pelo seu valor de
500$ [...] e por assim haver prometido e haver recebido a dita
quantia lhe passei a presente clareza,pelo que me obrigo a passar-lhe
sua carta de liberdade logo que tenha recebido os 244$ que faltam
para preencher a quantia de500$”, quantia esta que deveria ser
entregue ao outro herdeiro, Francisco Pereira de Souza.
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