Santos Negros
UM POUCO DE HISTÓRIA : Santos Negros: exemplos de fé e de incentivo à luta
Boletim Territórios Negros (v.7, n.29, maio/jun. 2007) |
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18/07/2013
Não é novidade afirmar que a religião foi uma das formas utilizadas
para controlar a população escrava. Uma das justificativas para a
escravidão era justamente a possibilidade de apresentar aos africanos a
verdadeira religião, o cristianismo, salvando-os de sua religiosidade
africana, chamada de bárbara. Entretanto, é preciso analisar mais
diretamente a propagação da devoção aos Santos Negros no Brasil.
No século XVII, com o aumento do tráfico escravo, o contingente de
africanos e seus descendentes já era o maior da colônia. Esse aumento
populacional atendia à demanda por maior produtividade, mas também
trazia muitas preocupações. A população escrava precisava ser
controlada, pois o risco de rebeliões sempre rondou os pensamentos dos
escravocratas, principalmente depois do enfrentamento do Quilombo dos
Palmares.
Assim, a disseminação da vida e da imagem de santos negros cai como uma
luva nesse momento em que é necessário dar exemplos de condutas aos
escravos. Exemplos de religiosos negros tementes a Deus e à Igreja, que
aceitavam sua função estabelecida pela ordem social, atendiam
perfeitamente essa demanda, indo de encontro à conjuntura que solicitava
da Igreja uma colaboração para a manutenção da ordem social.
Várias obras foram produzidas por padres divulgando a vida de São
Benedito, Santo Antônio de Noto, São Elesbão e Santa Efigênia, todas
voltados a um público especifico: os escravos. Em seu livro sobre São
Benedito e Santo Antônio de Noto, de 1726, o padre José Pereira Baião
afirma que a divulgação da vida dos santos é um estímulo à fé: “o mesmo
fruto espero em Deus que há de causar nos fiéis destes dois gloriosos
Santos Pretos, especialmente nos de sua cor...”
São Benedito era filho de escravos, trabalhava como cozinheiro,
despenseiro e guardião no convento franciscano de Palermo. Ele
distribuía aos pobres os mantimentos que retirava da despensa do
convento. Segundo seu biógrafo Frei Apolinário, que divulgou sua vida no
Brasil em 1744, “apesar da cor preta”, suas virtudes o levaram ao
caminho da santidade. Seu culto começou no Brasil antes de sua
canonização, que ocorreu em 1807.
Santo Antônio de Noto era de Guiné, filho de mouros, nascido e criado
sob a lei de Maomé. Segundo a história propagada pela Igreja, para ele
foi uma grande felicidade ser vendido com escravo para Sicília, pois lá
pôde conhecer o cristianismo e se livrar da religião mulçumana. Lá
renunciou seu nome islâmico e assumiu o nome Antônio. Também teve sua
vida marcada por virtudes e inúmeros milagres. Santa Efigênia era uma
princesa da Núbia. Após ter se convertido ao cristianismo, teria sido
batizada pelo apóstolo Mateus. Tornou-se religiosa, abstendo- se dos
prazeres mundanos e dos bens materiais oferecidos pela realeza a que
pertencia, e fundou uma comunidade religiosa à qual se dedicou até o
final de sua vida. Sua história foi contada em 1738 pelo frei carmelita
José Pereira de Santana.
Apesar da intenção de impor um controle ideológico aos escravos, a
identificação com os Santos Negros e sua devoção serviu para propiciar
um outro espaço de articulação. Com a formação das Irmandades Negras e a
presença nas festividades religiosas em homenagem a esses santos, os
escravos encontraram novas maneiras de participação na sociedade. Em
outras palavras: embora o objetivo principal da Igreja ao fornecer esses
exemplos de conduta fosse fazer com que os escravos aceitassem sua
condição escrava, a fé em seus padroeiros e padroeiras foi mais um
incentivo para lutar pela liberdade.
Ana Gualberto
Fonte Bibliográfica: Revista de História da Biblioteca Nacional ano 2 nº 20 (maio de 2007): “Negra devoção”, OLIVEIRA, Anderson José Machado.
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