Fundadora do Black Lives Matter diz que leis internacionais podem ajudar países a enfrentar o racismo
As leis internacionais de direitos humanos
podem ajudar os países a enfrentar problemas de racismo estrutural, como
a impunidade nos assassinatos de negros cometidos pela polícia. A
opinião é da norte-americana Opal Tometi, uma das fundadoras do
movimento global Black Lives Matter.
“A realidade é que o racismo contra os negros é um fenômeno global, e parece ser diverso em cada contexto”, disse, em entrevista ao Escritório de Direitos Humanos da ONU. “No Brasil, estamos presenciando mais negros desarmados serem mortos pela ação da lei. Em lugares como a França, existem milhares de negros africanos sem-teto em busca de asilo, forçados a criar seu próprio campo de refugiados sob as pontes de Paris”. Leia a entrevista.
“A realidade é que o racismo contra os negros é um fenômeno global, e parece ser diverso em cada contexto”, disse, em entrevista ao Escritório de Direitos Humanos da ONU. “No Brasil, estamos presenciando mais negros desarmados serem mortos pela ação da lei. Em lugares como a França, existem milhares de negros africanos sem-teto em busca de asilo, forçados a criar seu próprio campo de refugiados sob as pontes de Paris”. Leia a entrevista.

Opal Tometi, cofundadora do movimento global Black Lives Matter. Foto: ONU
As leis internacionais de direitos humanos podem ajudar os países a
enfrentar problemas de racismo estrutural, como a impunidade nos
assassinatos de negros cometidos pela polícia. A opinião é da
norte-americana Opal Tometi, uma das fundadoras do Black Lives Matter,
movimento ativista internacional que promove e preserva os direitos
humanos e a dignidade dos negros.
Em entrevista ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Direitos Humanos (ACNUDH) realizada em Genebra, na Suíça, Tometi
disse que o racismo afeta a qualidade de vida e a liberdade dos negros
em qualquer país, daí a importância de mecanismos internacionais de
direitos humanos para combatê-lo.
“É importante fortalecer a solidariedade entre movimentos e membros
da sociedade civil em espaços internacionais”, declarou na entrevista,
realizada na ocasião de sua participação em abril na 20ª sessão do Grupo
de Trabalho de Especialistas em Pessoas de Ascendência Africana.
Em 2013, a comunidade internacional declarou a Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), reconhecendo que os direitos humanos dos povos afrodescendentes precisam ser promovidos e protegidos globalmente.
ACNUDH: Por que você veio hoje ao Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em Genebra?
Tometi: Estou aqui hoje, como membro da sociedade
civil, para participar da 20ª sessão do Grupo de Trabalho de
Especialistas em Pessoas de Ascendência Africana, que trata dos desafios
que atingem os negros ao redor do mundo. Viajei a Genebra porque quero
descobrir uma maneira de colaborarmos para a justiça social e os
direitos humanos ao redor do mundo.
Acredito que nossas comunidades podem se beneficiar, se tiverem
conhecimento e participarem dos diversos fóruns de direitos humanos da
ONU. As leis internacionais dos direitos humanos podem nos ajudar a
resolver alguns dos principais problemas da sociedade norte-americana —
como a impunidade pelos assassinatos de negros pela polícia – os quais
as leis da estrutura nacional de direitos civis não tratam
adequadamente. E a antinegritude é global. O racismo estrutural afeta os
negros, a qualidade de vida e a sua liberdade em qualquer lugar. Assim,
é importante fortalecer a solidariedade a movimentos e membros da
sociedade civil em espaços internacionais como este.
ACNUDH: Como o movimento Black Live Matters pode se beneficiar dos mecanismos da ONU que lidam com o racismo?
Tometi: Eu e vários ativistas dos EUA acreditamos
que os movimentos de direitos humanos têm de evoluir e compreender as
implicações globais do racismo estrutural. Isso significa envolver as
Nações Unidas e uma série de outros órgãos de direitos humanos. A
realidade é que o racismo contra negros está em toda parte, globalizado
em grande parte pela herança da escravidão de pessoas de ascendência
africana, do legado colonial e das atuais relações neocoloniais.
Temos que abordar os fatos reais, e temos uma grande quantidade de
relatórios, dados e histórias que ilustram o fato de que os negros estão
vivenciando uma gama de resultados distintos em todos os setores da
nossa sociedade e em todos os contextos geográficos. Este não é o
problema de um país, mas, literalmente, ocorre no mundo todo.
É importante lembrar que diversos outros heróis dos direitos humanos
vieram antes de nós, como Martin Luther King, Malcom X, que recorreram à
comunidade internacional e às instituições globais como a ONU para
intervirem nas injustiças infligidas contra as comunidades negras. É ao
mesmo tempo animador reconhecer que temos uma tradição peculiar de lutar
pelos direitos humanos em âmbito internacional, e também preocupante,
porque ainda estamos lutando por algo tão básico para a humanidade, que é
a capacidade de ter qualidade de vida.
Existem diversas ferramentas e recursos importantes das Nações Unidas
possuem que podem ser usados para legitimar e apoiar as comunidades
oprimidas. Um deles é especialmente importante para as comunidades com
as quais trabalho: o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial
(CERD), que supervisiona a implementação da convenção de direitos
humanos contra a discriminação racial. É relevante saber que existe um
corpo e um conjunto expressivo de documentos e mecanismos que concluíram
de forma unânime que o racismo é uma violação dos direitos humanos.
ACNUDH: O movimento Black Lives Matter é conhecido em
diversos países em que as comunidades negras são estigmatizadas. Existe
hoje um maior entendimento de que o racismo é uma questão de direitos
humanos?
Tometi: Sim, quase todo mundo sabe que o racismo é
uma violação dos direitos humanos, mas seus defensores não
necessariamente investem em estratégias para lidar com isso do ponto de
vista legal. Quero incentivar as comunidades negras de toda parte a usar
essas ferramentas e estratégias que a estrutura dos direitos humanos
oferece. Isto é, ao mesmo tempo profundo e incrivelmente simples. Somos
humanos, e temos direito à qualidade de vida. Todos nós merecemos isso.
Esse é — ou deveria ser — um direito inalienável. E esses direitos são
básicos, não estamos nem falando sobre justiça de verdade neste momento,
que poderia significar algo como reparação etc.
Consideramos que os mecanismos e ferramentas internas dos direitos
civis dos EUA são frequentemente frustrantes, porque são limitados em
termos de implementação e impacto. As ferramentas internacionais de
direitos humanos são um padrão universal e, por isso, podem ser
aplicadas em escala internacional. Nossa dignidade humana inerente é
legitimada no âmbito dos direitos humanos, enquanto no âmbito dos
direitos civis tantas pessoas ficam presas à semântica sobre cidadania.
Para as comunidades com as quais trabalho, e que são criminalizadas por
causa da raça ou da condição de imigrantes, não há vencedores, mas os
diretos humanos dizem o contrário, que nossas vidas são importantes.
ACNUDH: Você chamou seu movimento de movimento dos direitos
humanos. Pode nos falar mais sobre isso? Como você reagiu às pessoas
dizendo que todas as vidas são importantes?
Tometi: Sim. O BLM ou o movimento pela vida dos
negros não é apenas um movimento por direitos civis, é um movimento
global de direitos humanos! É um movimento de direitos humanos porque
tem de ser. O tratamento injusto com o qual os negros são forçados a
enfrentar ocorre em diversas nações, e em todos os âmbitos de nossas
vidas. Nós somos um movimento de direitos humanos porque nossas demandas
são mais profundas do que as almejadas pelos direitos civis. Além
disso, somos parte da família negra global. Muito da nossa beleza e da
nossa força vem de sabermos que fazemos parte (disso), não importa onde
estivermos.
Quanto a “todas as vidas são importantes”, (…) apenas digo que
afirmar a minha humanidade e defender os negros é uma postura em relação
aos direitos humanos e à justiça. Isso não diminui ou retira os
direitos e a dignidade ou a liberdade de outras pessoas. Ajudei a fundar
o Black Lives Matter porque realmente acredito que todas as vidas são
importantes; quando ouvimos histórias e lemos relatórios que deixam
claro que a vida dos negros não têm valor nos EUA, é nossa obrigação
moral mudar isso. Eu estou empolgada porque, literalmente, milhões de
pessoas nos EUA e ao redor do mundo entendem isso, e foram às ruas
dizendo que “a vida dos negros importa” porque elas não têm dúvida de
que o racismo existe e isso deve parar.
ACNUDH: Quais são os meios práticos para que pessoas do mundo todo defendam os direitos humanos? Como as pessoas podem agir?
Tometi: As pessoas podem defender os direitos
humanos em qualquer lugar, abordando o racismo sistêmico em seu próprio
ambiente. Se as pessoas levarem a sério a luta pela justiça em seu
próprio país, com parceiros e imigrantes em sua comunidade, com pessoas
da comunidade internacional, acredito que veremos a aplicação dos
direitos humanos a todas as pessoas. Quero incentivar nossos irmãos e
irmãs a se envolverem de modo mais eficaz com esse grande conjunto de
ferramentas de direitos humanos internacional, que reafirmam nossos
direitos com tanta profundidade.
A realidade é que o racismo contra os negros é um fenômeno global, e
parece ser diverso em cada contexto, mas se você olhar para as
consequências, se ouvir e olhar para essas experiências, verá que é
claro e que ocorre ao redor do globo. No Brasil, estamos presenciando
mais negros desarmados serem mortos pela ação da lei. Em lugares como a
França, existem milhares de negros africanos sem-teto em busca de asilo,
forçados a criar seu próprio campo de refugiados sob as pontes de
Paris. Eles não têm saneamento, nem comida. As pessoas são expulsas.
Esse é um exemplo de injustiça racial.
Negros têm sido atacados na Ásia e em muitos outros lugares ao redor
do mundo. Por exemplo, no Kuwait, uma trabalhadora doméstica etíope foi
atirada pela janela do 7º andar de um edifício. A condição dos negros em
todo o mundo é terrível, e temos que fazer tudo o que pudermos para
acabar com isso de uma vez por todas. A realidade é que estamos aqui.
Essa é a cor da nossa pele. Isso é o que somos, e somos belos.
Precisamos de um mundo que respeite nossa humanidade, nossa dignidade
humana inerente. Esse mundo não pode tardar.
fonte: https://nacoesunidas.org
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