FALANDO DE RACISMO...
Esse
racismo brasileiro, sem racista auto-identificado, auto-reconhecido,
ou seja, sem aquele que se reconhece como discriminador, faz-nos
lembrar da paradigmática conclusão de Florestan Fernandes sobre as
relações raciais no nosso país: no Brasil surgiu “uma espécie
de preconceito reativo: o preconceito contra o preconceito ou o
preconceito de ter preconceito” # . Discrimina-se os negros mas há
resistência entre os brasileiros em reconhecer a discriminação
racial que se pratica contra esse grupo racial. Ou seja, os
brasileiros praticam a discriminação racial, mas só reconhecem
essa prática nos outros, especialmente entre os estadunidenses
brancos. Como afirmamos em outro lugar # , passou a fazer parte do
nosso ethos. A indiferença moral em relação ao destino social dos
indivíduos negros é tão generalizada que não ficamos
constrangidos com a constatação das desigualdades raciais
brasileiras. Elas não nos tocam, não nos incomodam, nem enquanto
cidadãos que exigem e esperam o cumprimento integral da Constituição
Brasileira.
É
como se os negros não existissem, não fizessem parte nem
participassem ativamente da sociedade brasileira. A “invisibilidade”
do processo de discriminação racial reaviva o mito da democracia
racial brasileira # , impedindo uma discussão séria, franca e
profunda sobre as relações raciais brasileiras e, mais do que
isso,inibe a implementação de políticas públicas específicas
para os negros. Aliás, a negação da existência dos negros ou, se
se quiser, a sua desumanização, é da essência do racismo. E é
essa negação dos negros enquanto seres humanos que tem nos
“anestesiado” quanto às desigualdades raciais. Esses fatos têm
um enorme peso no momento de se decidir sobre qual política adotar
para solucionar a discriminação racial a que estão submetidos os
negros. Contudo, embora a discussão ampla, franca e profunda sobre a
questão racial brasileira ainda sofra fortes resistências no seio
da nossa sociedade, tanto entre os setores conservadores como entre
parte significativa dos setores progressistas, como afirmamos acima,
não há dúvidas de ela entrou na agenda política brasileira após
a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerância Correlata, que foi realizada na cidade
sul-africana de Durban, no período de 30 de agosto a 07 de setembro
de 2001.
FERNANDES, Florestan. O Negro
no Mundo dos Brancos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972,
p. 42.
SANTOS,
Sales Augusto dos Santos. Ação afirmativa e mérito individual. In:
SANTOS, Renato Emerson;LOBATO, Fátima (Org.). Ações Afirmativas.
Políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro:
DFP&A, 2003, p. 87. O conceito de mito da democracia racial
brasileira que adotamos é o mesmo utilizado por Carlos A. Hasenbalg:
“A noção de mito para qualificar a ‘democracia racial’ é
aqui usada no sentido de ilusão ou engano e destina-se a apontar
para a distância entre representação e realidade, a existência de
preconceito,discriminação e desigualdades raciais e a sua negação
no plano discursivo. Essa noção não corresponde,portanto, ao
conceito de mito usado na Antropologia.” (HANSEBALG, Carlos A.
Entre o Mito e os Fatos: Racismo e Relações Raciais no Brasil. In:
MAIO, Marcos e SANTOS, Ricardo Ventura (Org.). Raça, Ciên cia e
Sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz/CCBB, 1996, p. 237).16Sob a
pressão dos movimentos negros # , o governo Fernando Henrique Car
doso iniciou publicamente o processo de discussão das relações
raciais brasileiras,em 1995, admitindo oficialmente, pela primeira
vez na história brasileira, que os negros eram discriminados. Mais
do que isso, ratificou a existência de discriminação racial contra
os negros no Brasil durante o seminário internacional
Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos Estados
democráticos contemporâneos, organizado pelo Ministério da
Justiça, em 1996. Apesar desse primeiro passo,de reconhecimento
oficial do racismo no Brasil
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